sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Só para Desiludidos






A Ilusão mora numa quitinete bucólica, em frente a uma pequena praça onde é sempre outono - geralmente nos arredores de Paris.

Durante as tardes, a Ilusão pinta borboletas africanas numa tela azul, alimenta-se de iguarias finas – quimeras com geleia de pétalas, por exemplo – e banha-se em Dom Pérignon.

A Ilusão é vista, sempre em manhãs de sol, comprando frutas exóticas na feira-livre do lugar.
- Comme ces’t douce la illusion – comentam as senhoras francesas.

Mas nem tudo é verdade e doçura. Depois da feira, a Ilusão volta a dormir em lençóis amarfanhados. Quando acorda já é noite. Tem olheiras, sente frio.
Na boca, cultiva um gosto de cigarro e perdição.

Bebe um café requentado, maquia-se para esperar sempre o mesmo homem, sempre o mesmo homem magro e suspeito.

Na TV preto-e-branco, aquele medo de que ele não venha.

Quando o homem chega é madrugada. Ele fala baixo, é fanho, resfolega. Um inconstante sotaque belga o torna mais suspeito – e até mais magro.

Mais tarde será possível ouvir a música que os delata pelas frestas das venezianas.

Aqueles que a ouviram sabem que é um ritmo subterrâneo e úmido, com os pecados que só alguns ritmos podem ter. 

"Deve ser coisa de estrangeiro" - dizem -, "quem sabe daquela civilização desaparecida no Pacífico".

É breve a presença do homem magro. A porta se fecha, ele desce as escadas do dever cumprido e esgueira-se antes do sol nascer. 
O homem já não é apenas suspeito; é evidentemente culpado. Com um agravante: ele nunca mais voltará os olhos para as janelas da Ilusão.

A Ilusão permanece com o rosto achatado contra a vidraça, mesmo depois que homem desaparece sob a copa das árvores.
O disco dos meninos de Ogah Turan silencia-se como seus ancestrais, no Pacífico.
A Ilusão ajoelha-se sobre o colchão e investiga o vazio pleno e recente entre as pernas exaustas.
Até amanhã, mon cherry?


Os amantes - esses tolos que passam a vida a desafiar os homens prudentes – sempre se exilam naqueles arredores de Paris. Na tabacaria de Ménilmontant e na travessia da Pont Grennelle será possível encontrá-los depois das dez, engendrando dois ou três desavisos.

Os tolos amantes são ávidos pela Ilusão. Que ela os espere com iguarias ou o café de ontem, que ela acene com luvas brancas e ingressos para o Moulin Rouge. Eles estarão sempre prontos para segui-la. 
Jogam a mochila nas costas e enfiam uns trocados no bolso. Nem olham para trás, nem fazem perguntas indiscretas ao Acaso.


Mas é razoável admitir que nem todos os amantes se encontrem em Paris. Muitos foram vistos em Moscou, outros em Porto Príncipe, e até em uma tangueteria em Buenos Aires – e isso deve ser verdade.
Porque - segundo dizem os novos vizinhos - la ilusión se cansó de cometer errores en la vida y llorar la falta de amor. 
Agora prefere celebrar com os desesperançados, fazer de Buenos Aires sua Paris e do tango um Bateau Mouche.

Caríssimos ex-amantes, a Ilusão vos aguarda, à média luz, com a mesa posta para o amor. Corrientes 3-4-8, segundo piso, ascensor.