sábado, 11 de outubro de 2014

Jovem, quem é você no Jogo do Bicho?


"Não confie em ninguém com mais de trinta anos
Não confie em ninguém com mais de trinta cruzeiros
O professor tem mais de trinta conselhos
Mas ele tem mais de trinta, mais de trinta
mais de trinta
Não confie em ninguém com mais de trinta ternos
Não acredite em ninguém com mais de trinta vestidos
O diretor quer mais de trinta minutos
Pra dirigir sua vida, a sua vida
A sua vida"
(Marcos Vale)


Juventude sempre foi sinônimo de rebeldia, 
de questionamento da realidade imposta, de luta contra o pensamento vigente e o comportamento padrão.

Jovens têm a coragem de repensar a realidade e rebelam-se contra a sociedade que os adultos oferecem, não seguem normas sem sentido, não aceitam idéias sem filtrar.

Jovens procuram a verdade além do que lhes dizem, além do que está escrito e mostrado, ousam anunciar que o reino todo - e não apenas o rei - está nu.

No fundo, dizem apenas o óbvio, mas o óbvio que outros foram desensinados a perceber.

O jovem contestador é aquele que não se encaixa nesses bilhões de engrenagens periféricas que giram em torno de um eixo torto chamado Consumo.

O jovem contestador não segue a bíblia do dinheiro, não idolatra o deus maior das multidões.



O Jovem Contestador e a Arte

O jovem contestador interessa-se pelo mundo e pela vida. Ele entende que a arte tem sim uma função primordial para o homem. Apenas pela arte será possível acessar aquelas realidades que lhe foram amputadas.

Manoel de Barros disse que “o poema é antes de tudo um inutensílio”. Manoel certamente tem suas desrazões para assim dizer, mas essa é a segunda vez que discordarei do poeta (a primeira foi em homem pássaro).

Discordarei, Manoel, para concordar. Porque você sabe melhor do que ninguém. Você sabe que poesia, pintura, escultura, música, dança, teatro e cinema são básicas necessidades humanas. Viver sem arte é só meio viver. Somente a arte pode expressar o que não pode ser explicado pela ciência e pela matemática.

Assim também entende o jovem contestador. É pela arte que ele entra para o mundo adulto com olhos de criança. É pela arte que que ele cresce um pouco mais do que os outros e espia por sobre os ombros da história.

O jovem contestador é aquele que ainda se lembra das realidades que podia ver até os seis anos de idade. Lembra-se que lhe disseram que suas realidades eram ilusões.


Cérebro – Uma peneira

Um homem é cego e surdo para a arte quando lhe falta o vislumbre, o lampejo da criança que, lá dentro dele, vê e ouve e sente. Esse homem mantém a criança amordaçada nos porões do adestramento, desnutrida de todos os sonhos e de toda a rebeldia. Mas é ele quem vai morrer de desespero e inanição.

Aldous Huxley dizia que o cérebro é uma espécie de peneira e que alguns têm as malhas dessas peneiras muito fechadas. Em peneira fina só passam realidades pequenas e ideias medíocres. Mediocridades e pequenezas se alojam no fundo da mente ou vão cair sobre a criança amordaçada para afogá-la em preconceitos e ideias envelhecidas.

O jovem contestador, aquele que não se conforma às penumbras adultas, abre seus braços, solta sua voz, acende a lanterna das memórias infantis e deixa que as idéias grandes e as grandes realidades rasguem a peneira toda.

O jovem contestador liberta aquela criança tagarela, aquele serzinho atrevido que enfia o palito na engrenagem e alvoroça moralismos e acomodações.


Contracultura

Ao longo da história, jovens se unem em torno de ideais compartilhados para enfiar alguns palitos no motor.

Aqueles que ousam ter olhos para o que ninguém mais vê soltam seu grito de transformação. 
Assim nasceram os movimentos de contracultura. Assim nasceram os beatniks, nasceram os hippies e nasceram os punks.


"A civilização se tornou tão complicada
Que ficou frágil como um computador
Se uma criança descobrir
O calcanhar de Aquiles
Com um só palito para o motor"
(Raulzito)


A Geração Beat

A Geração Beat iniciou-se quando jovens intelectuais, escritores e artistas da década de 50 se rebelaram contra o consumismo, contra o fanatismo anticomunista, contra o otimismo patriota do pós-guerra americano e a ausência de pensamento crítico.

Nas palavras de Jack Kerouak, o escritor mais influente daquela geração:

"A Beat Generation  foi uma visão selvagem que eu, John Clellon Holmes e Allen Ginsberg tivemos de uma geração de loucos, iluminados descolados. Uma visão que fez subitamente a América ascender e avançar, seriamente a vadiar e a pedir carona por todo lado, esfarrapada, beatificada, bonita de uma nova forma. Graciosamente feia."

Os beatniks deixaram como herança a luta pela liberação feminina e pela liberdade sexual.

Anti-materialistas, interessavam-se por estados alterados da consciência e por conhecimentos místicos.

Pergunta Kerouak:
"Quem sabe, na verdade, se o Universo não é um vasto mar de compaixão, o verdadeiro mel sagrado, debaixo desta exibição de individualismo e crueldade?"


O Movimento Hippie

Na década de 60, os hippies criaram o movimento mais influente da contracultura.

Jovens se rebelaram contra os valores então estabelecidos, contra os pensamentos e comportamentos padrões, contra a ideia de ascensão social a qualquer preço, contra as incongruências e perversidades da sociedade capitalista.

Alucinógenos, arte psicodélica e amor livre coloriram aquela geração que erguia bandeiras de Paz e Amor.

"Picture yourself in a boat on a river,
with tangerine trees and marmalade skies
Somebody calls you, you answer quite slowly
– a girl with kaleidoscope eyes"
(Beatles)

(Imagine-se em um barco em um rio,
com pés de tangerina e céus de marmelada
Alguém te chama, você responde muito lentamente
- uma menina com olhos de caleidoscópio)



O Movimento Punk

Década de 70. Os punks, assim como os hippies, eram pacifistas, mas defendiam uma atitude social e visual mais agressiva. Desprezavam a sociedade estabelecida e queriam demonstrar esse desprezo.

Com suas roupas surradas, cabelos moicanos e jaquetas com taxas e rebites, negavam-se a calar diante do fascismo, do racismo, do sexismo, do conformismo, dos modismos e dos agentes do poder.

Na política defendiam a auto-gestão, sem um governo central, sem partidos e autoridades.

Grupos como Sex Pistols e The Clash serviram de inspiração para os punks e deram voz àquele repúdio que sentiam em relação à organização social e política mundial.

"What are the reasons?
Schools are prisons
Forget the seasons
Schools are prisons
What are the reasons
for this waste of the spring?"
(Sex Pistols)

(Quais são as razões?
Escolas são prisões
Esqueçam as estações
Escolas são prisões
Quais são as razões
para este desperdício da primavera?)


O Império Contra-ataca

É claro que a maioria dos jovens não participou dos movimentos de sua época.

Por alienação ou influência dos adultos, muitos viam aqueles contestadores como folclóricos, porra-loucas, vagabundos.

Grande parte daqueles jovens contestadores acabaram assimilados pelo sistema que combatiam. Cansaram de lutar, sentiram a ausência de mais soldados na trincheira e pularam para a linha inimiga – como aliados ou prisioneiros de guerra.

Tornaram-se zumbis. Vagam por um mundo estranho, cujas leis eles não entendem, mas têm de seguir. Adotaram valores alheios e o cotidiano se arrasta em um arremedo de vida.

Porque o Sistema há muito percebeu que a melhor estratégia contra os rebeldes é absorvê-los.

Um bom exemplo são os hackers e crackers.

Expressões da cultura cyberpunk, esses jovens são contratados por grandes corporações, deixam de representar ameaça e tornam-se cordeiros nas mandíbulas insaciáveis da máquina.

Em todos os movimentos de contracultura, a tônica é sempre a mesma. Uma minoria (mas uma minoria significativa) ergue bandeiras e ousa caminhar na direção contrária.

O poder, num momento inicial, usa ferramentas de opressão para combater aquela minoria. Depois a exibe em outdoors e capas de revista, faz com que seu modo de vestir vire fashion, cool, até que toda a juventude passe a usar o mesmo uniforme, até que todos voltem a ser iguais.



Manifestações no mundo atual

E hoje? Existirá alguma minoria que percebe a marcha da manada em direção ao precipício, existirá alguma minoria que se nega a ser levada a reboque?

Será que alguns rebeldes legítimos caminham em direção contrária?

Sim, sempre há aqueles que conseguem ver.  Manifestações ainda pipocam ao redor do mundo.

Malala Yousafzay, uma adolescente de 17 anos ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2014 por sua luta em favor da educação de meninas do Paquistão.

(Malala divide o prêmio com indiano Kailash Satyarthi. Satyarthi, ativista dos direitos das crianças de seu país, é um jovem de 60 anos.)

Mas talvez o mundo tenha se tornado complexo demais para os jovens de hoje. Há informação demais e profundidade de menos. Leem-se  títulos e manchetes, e o texto virou secundário.

Hoje o adestramento se dá mais cedo. Já nas creches começam a lhes impor comportamentos e são ensinados a seguir padrões. Exigem que seja um profissional eficiente, que saiba engraxar engrenagens cegas e enlouquecidas, que encontre um espaço cômodo na única realidade possível.

Nas escolas tornam-se robozinhos de competição. Quando saem das pseudo-universidades, são imediatamente engolidos e levados às entranhas da máquina maior.

Mas, aleluia aleluia, alguns conseguem ver. Percebem que o inimigo hoje é difuso, já não basta combater governos e burgueses.

Agora, esses poucos jovens precisam se dividir em diferentes frentes, lutar em diferentes batalhas contra um inimigo sempre diferente - e sempre igual.

Outros nem vão às ruas, mas defendem suas idéias no próprio grupo social. Procuram seguir a consciência e não recuam diante da opinião contrária e da crítica conservadora.


  
E você, jovem?  Quem é você no jogo do bicho?

Você consegue antever o precipício ali na frente?

Você procura manter abertas as malhas da mente para que grandes ideias e as grandes verdades sejam bem vindas?

Para onde você caminha? Você segue em frente?

Você engole tudo o que a grande imprensa e os populistas de plantão oferecem?

Você não duvida das verdades absolutas de seu tempo?


Você não procura saber a quem aquelas verdades absolutas interessam?

Você assimila modismos e pensa que ser rebelde é exigir um par de tênis de mil pratas, um novo boné, o mais recente smartphone?

E mesmo assim acredita em homens que usam paletó e gravata, discursos surrados e conceitos caducos?

Será que é mesmo uma boa ideia deixar para esses velhos a tarefa de mudar o mundo?



Desengonços do mesmo naipe: