quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O Homem que Negocia Tristezas


Na fachada da pequena loja espremida entre um taxidermista e um mercado vodu, a placa de madeira anuncia o ramo do estabelecimento: Negociam-se Tristezas

Em frente à loja, todos os dias uma fila se forma. Quatro ou cinco pessoas, cada um com seu silêncio, aguardam a porta de ferro se abrir.

Alguns sofrem idas e vindas na calçada oposta, o canto do olho atento, a hesitação em cada passo. São os que carregam dores tímidas e angústias caladas. Serão muitas idas antes de voltar.

Quando a porta se abre, um homenzinho sai e avalia a fila. Depois se posiciona atrás do balcão de concreto. Com uma xícara de chá fumegante entre as mãos, chama o primeiro a ser atendido.


Adianta-se um menino.

Meninos como esse, que matam passarinho, são muito comuns por ali.

- Eu não sabia, entende? Eu puxei o estilingue e soltei. Quando eu vi, o bichinho tava morto, bem mortinho. Eu só queria acertar o alvo, não matar.

- Você não sabia que pedrada mata?

- Eu não sabia que morrer era assim.

O homenzinho medita por dez segundos. Dá uma golada no chá, dirige-se ao armário de tristezas às suas costas e volta com uma oferta.

- Tem aqui esta tristeza de um menino da sua idade que sofre de solidão. O melhor amigo dele foi morar em outro bairro.

- Faz tempo?

- Umas duas semanas.

- Já dá pra segurar.

O menino volta para casa sem remorsos, mas com saudade de alguém que não conheceu.


Qualquer tristeza pode ser útil a alguém. Corações quebrados o homenzinho troca por falências, perda de emprego por dieta restrita, desgosto de filho por decepção com os pais.

Não são poucos os que voltam alguns dias depois.

- A tristeza do outro parecia tão pequena no balcão. Cresceu na horinha em que eu saí da loja.

Nas tristezas grandes, nas dores sem bálsamo, o homenzinho manda o cliente esperar numa cadeira de três pés junto à parede. Depois, demais clientes atendidos e tristezas trocadas, ele fecha a porta de ferro.

Antes de desaparecer por detrás do armário de tristezas, ele diz ao cliente da dor maior:

- Pode vir.

Quando o cliente o segue, a porta para os fundos já está aberta.

No centro do estreito e longo quintal, sob a copa de uma pitangueira, sentado em um banco rústico de madeira, alguém o espera.

O cliente caminha dez passos lentos.

Reconhece um sorriso.

Uma idade de antigamente.

Aquele medo de que a imagem esvaeça.

A respiração suspensa.

Depois o abraço em quem não pode mais ser abraçado.

Não há pressa nem tempo. O homenzinho volta para a loja e espera em frente à xícara de chá. Está seguro. Nenhum fiscal aparecerá numa hora assim.

Do quintal vêm suspiros, risos, soluços.

Nas prateleiras algumas tristezas fenecem.

Ali, nos fundos da loja ordinária, por detrás de um estabelecimento de fachada, sem CNPJ ou inspeção dos bombeiros, sem qualquer permissão legal, sem higiene, sem nada, comete-se o mais terrível de todos os crimes.

Sob as barbas da sociedade, fingindo negociar sentimentos, um homenzinho mata saudades.