domingo, 15 de março de 2015

O Misterioso Caso da Geração que Regrediu Dois Anos


Um macaco cai da árvore da evolução e se estatela no asfalto:
- Pra onde vou agora? - pergunta.

- Para trás - responde outro primata - é só seguir a multidão.


Gerações de luta

É frustrante para a espécie humana quando uma geração perpetua os preconceitos dos pais. Mas o que dizer de uma geração que ignora décadas de lutas do passado, dá marcha ré na história e vai buscar os preconceitos dos avós? Aí já é pra lascar com as teorias do Darwin.

Quando os beatniks passaram o bastão da contracultura para os hippies, uma geração se conectou à outra.

Mas os hippies foram além do legado beat. Os hippies herdaram aquele desejo de encontrar a realidade que se escondia por trás de um manto costurado pelo imperialismo. Os hippies mostraram que o manto estava sujo pelas guerras, que a ilusão coletiva se mantinha pela violência do estado e pelos abusos da informação e do capital.
 

Na principal bandeira daquelas gerações, tremulava a palavra LIBERDADE. Ao lado de Paz e Amor, LIBERDADE tornou-se símbolo inseparável dos rebeldes de então.



O que está acontecendo lá fora?


Quando, em junho de 2013, jovens saíram Brasil afora bradando sua insatisfação, imprensa e políticos ficaram atônitos.

Ninguém sabia definir o alvo daquelas manifestações. A verdade é que todos - políticos e imprensa - se envergonhavam. Ou, ao menos, tinham motivos para vergonha.

Foram pegos de calças na mão pelas manifestações que nasciam espontâneas, sem patrocinadores nem bandeira de partido. Quem não se lembra dos gritos de “abaixa a bandeira aí”?



Contra tudo e contra todos

As manifestações se dirigiam aos políticos em geral. Ninguém canonizava ninguém. As manifestações se dirigiam ao atendimento público federal, estadual, nacional, municipal e privado. As manifestações expressavam o que a imprensa não queria expressar: a insatisfação generalizada contra um sistema que usa o cidadão como ferramenta para construir a prisão que o aprisiona.

Eis que, menos de dois anos depois, aqueles mesmos jovens saem às ruas.

Agora não para lutar juntos contra a estrutura viciada, mas para pintar tudo de preto ou de branco, como se algo na vida fosse uma simples escolha entre Sim e Não.

Aqueles mesmos - os que em 2013 protestaram juntos - hoje precisam marcar passeatas para dias diferentes. De uma hora para outra todos se tornaram gladiadores em potencial.




De olhos bem fechados


No fundo, a explicação não é difícil de encontrar. Políticos perplexos escolheram o salve-se quem puder como lema e saíram distribuindo pontapés.

A imprensa, que nunca soube (ou quis) interpretar aquelas manifestações, mirou sua metralhadora em único alvo e orientou olhares inocentes.


Agora, com alvo único, boa parte dos políticos poderia se deitar nas areias do esquecimento e surfar nas ondas da impunidade.

Não é percebida a covardia. Que revolta justa é essa que ignora o óbvio e joga as mazelas do país sobre um único par de ombros?

Onde foi parar aquela súbita consciência coletiva que se acendeu naquele junho de 2013?


O que será que nos fez desaprender tão rápido? Como diria o personagem Joselino, aquele que foi criança pequena lá em Barbacena: "Eu estava indo tão bem..."



Esquecimento instantâneo


Neste mundo frenético, três anos de involução podem equivaler à perda de três gerações. Acabamos de aprender, ops!, já desaprendemos. Nem foi preciso recorrer aos conceitos de vovó.

Os rebeldes de 2013 sabiam que o inimigo estava oculto e que o monstro era bem maior. Tinham a união como força, a manifestação pacífica como arma.

Os rebeldes de hoje estão cegos para o verdadeiro inimigo e miram no rabo do monstro. Têm a agressão verbal como argumento e a intolerância como fraqueza.

Esses rebeldes permitem que lhes digam contra quem devem (e não devem) se rebelar.

E não é que, para desonrar todas as gerações que quebravam grilhões, até mesmo a bandeira LIBERDADE - símbolo maior de todo rebelde que se presa - passou a ser rasgada em praça pública? 

(*Por justiça, deve-se dizer que há sempre uma minoria que vê o óbvio. Aqueles hippies e beatniks também representavam a minoria dos jovens da época. Mas nem por isso deixaram de ficar na história.
)


Jovens Selvagens

Nelson Rodrigues dava um conselho aos mais novos: "Jovens, envelheçam."

Nelson dirigia-se à juventude transgressora dos anos 70. Mandá-los "envelhecer" equivalia a orientá-los para o comodismo, para a aceitação da ordem estabelecida, para a subserviência aos titereiros que movem os cordões da sociedade envelhecida.

Hoje, Nelsons se replicam mundo afora - não em talento, mas em conselhos subliminares dos tiranos que controlam esse show de marionetes. 

Meninos - digo eu -, rejuvenesçam. Não deixem que lhes retirem esse ímpeto, essa gana de transformação. 

Esqueçam conselhos rodriguianos e valham-se de Platão: "De todos os animais selvagens, o homem jovem é o mais difícil de domar".



Desengonços da mesma ordem:
Jovem, quem é você no Jogo do Bicho